terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cineasta narra transformações da China Com filmes entre documental e ficção, Jia Zhangke diz que atores sem experiência têm rostos mais 'maleáveis'

Premiado em Cannes, diretor chinês ganha mostra que começa nesta terça (12) no Belas Artes, em SP

LUIZA FRANCODO RIO
Com 20 anos de carreira e prêmios de festivais como Cannes e Veneza no currículo, o cineasta chinês Jia Zhangke diz que gosta mesmo é do amadorismo.
"Gosto de trabalhar com roteiros abertos, atores amadores e improvisação, por uma questão de inspiração", afirma o diretor, homenageado na mostra "Jia Zhangke, A Cidade em Quadro", que começa nesta terça (12), no Belas Artes, em São Paulo.
"Os atores amadores têm rostos mais maleáveis. Dá para perceber uma história por trás, imaginar como era aquela pessoa aos 17, 18 anos, por exemplo", disse o diretor durante conversa com a Folha, na tarde do último sábado (9).
A programação traz mais de 20 filmes --entre eles, "Plataforma" (2000), "Em Busca da Vida" (2006) e "Memórias de Xangai" (2010). O evento promove também uma palestra do diretor na quarta-feira (13), às 16h.
O chinês, que tem 44 anos, passou a vida observando seu país se transformar de nação maoísta em capitalista.
Seus filmes narram a rotina de pessoas que vivenciam essas rápidas mudanças.
Nascido na província de Shanxi, onde transcorrem muitos de seus filmes, Zhangke diz que, mais jovem, a forma de arte que mais o interessava era a literatura.
"Eu organizei um grupo de poetas na escola, e chegamos a publicar um pequeno livro", diz, rindo discretamente.
Depois, passou a gostar de artes plásticas, que cursou na faculdade --também porque, segundo ele, era um curso mais fácil de entrar. "Mas ainda tinha um sentimento de insatisfação", comenta.
O estalo veio quando assistiu, durante a faculdade, ao filme "Terra Amarela" (1985), do diretor chinês Chen Kaige.
Zhangke afirma que ali se deu conta de que poderia retratar a China que conhecia. Inscreveu-se na Academia de Cinema de Pequim.
REALIDADE
O diretor diz não ver contradição entre o desejo de retratar a realidade e o estilo de seus filmes, que misturam o documental e a ficção.
"24 City" (2008), que fala sobre as gerações de pessoas que trabalharam numa fábrica estatal, mescla depoimentos de personagens reais e de atores, numa estratégia que lembra a usada em "Jogo de Cena" (2007), do documentarista brasileiro Eduardo Coutinho (1993-2014).
"Há diferentes maneiras de expressar os sentimentos humanos. A imaginação, as histórias fictícias, podem revelar a essência da pessoa", diz.
Para Zhangke, seu filme mais recente, "Um Toque de Pecado" (2013), vencedor do prêmio de melhor roteiro no em Cannes, em 2013, foi censurado pelo governo chinês exatamente por representar uma "realidade inegável", apesar de ser uma ficção.
O filme é baseado em histórias reais sobre as quais o diretor leu na rede social Sina Weibo, uma espécie de Twitter chinês.
Seus personagens são levados a cometer atos de violência por causa das duras circunstâncias da vida.
Zhankge refuta a ideia de que seus filmes sejam políticos, apesar de retratarem uma China excludente.
"Meus filmes são muito subjetivos. Eu narro a China através dos personagens. Meu objetivo é expressar o que sentimos e o que vivemos."

"A era dos filmes amadores está para voltar. É minha impressão mais vivaz. (...) eu insisto nesse ponto. (...) Decerto, eu coloco assim em questão aqueles que chamamos de profissionais do cinema'. Esses profissionais, que enxergam os princípios da profissão como regras absolutas e fazem brilhar ardentemente seus potenciais de mercado, perderam há muito tempo a capacidade de pensar."