quinta-feira, 4 de setembro de 2014

'De Menor' rejeita fórmula fácil e dá fôlego ao cinema nacional

CRÍTICA - DRAMA

'DE MENOR' PREFERE O ATRITO ENTRE OS PERSONAGENS CENTRAIS, MAS TAMBÉM DELES COM AS FORÇAS DA LEI E DA GRANA, QUE OS ARRANCAM DO NINHO

CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHA
Um ano depois de dividir o prêmio principal do Festival do Rio, "De Menor" chega ao circuito como mais um passo adiante no processo de oxigenação do cinema brasileiro.
Como "O Lobo Atrás da Porta", com o qual compartilhou a vitória, o longa de estreia de Caru Alves de Souza equilibra-se entre o drama individual e a tragédia social. Além disso, ambos metem o dedo nas nossas feridas sem assumir posturas de donos da verdade.
Seus protagonistas, Helena e Caio, vivem uma intimidade que sofre uma ruptura e expõe uma fratura. Antes disso, o filme convoca o espectador a construir sentidos em vez de nos impor um único por meio do ultradidatismo que ignora o valor da surpresa e da descoberta.
Em vez de seguir uma trama, "De Menor" prioriza os nós na forma de dúvidas, mas também de abraços, afagos e frases ditas em meio tom.
Mais velha, a personagem feminina, uma advogada, expressa atitudes maternais também em relação a seus clientes, jovens expostos ao risco e à marginalização. O jovem, por sua vez, é rude e fora do controle, a ponto de romper o limite da legalidade.
No lugar de conflito de manual de roteiro, "De Menor" prefere o atrito entre os personagens centrais, mas também deles com as forças da lei e da grana, que os arrancam do ninho, deixando-os desprotegidos.
Como no desesperado longa de Fernando Coimbra, o lar não significa mais um porto seguro e a ideia de ordem ligada à família foi por água abaixo.
Ambos são demonstrações de que o novo cinema brasileiro não se resume a promover o riso fácil nem às ousadias experimentais ignoradas pelo público. Ele também busca com ficções maduras avançar em direção à maioridade.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Cineasta narra transformações da China Com filmes entre documental e ficção, Jia Zhangke diz que atores sem experiência têm rostos mais 'maleáveis'

Premiado em Cannes, diretor chinês ganha mostra que começa nesta terça (12) no Belas Artes, em SP

LUIZA FRANCODO RIO
Com 20 anos de carreira e prêmios de festivais como Cannes e Veneza no currículo, o cineasta chinês Jia Zhangke diz que gosta mesmo é do amadorismo.
"Gosto de trabalhar com roteiros abertos, atores amadores e improvisação, por uma questão de inspiração", afirma o diretor, homenageado na mostra "Jia Zhangke, A Cidade em Quadro", que começa nesta terça (12), no Belas Artes, em São Paulo.
"Os atores amadores têm rostos mais maleáveis. Dá para perceber uma história por trás, imaginar como era aquela pessoa aos 17, 18 anos, por exemplo", disse o diretor durante conversa com a Folha, na tarde do último sábado (9).
A programação traz mais de 20 filmes --entre eles, "Plataforma" (2000), "Em Busca da Vida" (2006) e "Memórias de Xangai" (2010). O evento promove também uma palestra do diretor na quarta-feira (13), às 16h.
O chinês, que tem 44 anos, passou a vida observando seu país se transformar de nação maoísta em capitalista.
Seus filmes narram a rotina de pessoas que vivenciam essas rápidas mudanças.
Nascido na província de Shanxi, onde transcorrem muitos de seus filmes, Zhangke diz que, mais jovem, a forma de arte que mais o interessava era a literatura.
"Eu organizei um grupo de poetas na escola, e chegamos a publicar um pequeno livro", diz, rindo discretamente.
Depois, passou a gostar de artes plásticas, que cursou na faculdade --também porque, segundo ele, era um curso mais fácil de entrar. "Mas ainda tinha um sentimento de insatisfação", comenta.
O estalo veio quando assistiu, durante a faculdade, ao filme "Terra Amarela" (1985), do diretor chinês Chen Kaige.
Zhangke afirma que ali se deu conta de que poderia retratar a China que conhecia. Inscreveu-se na Academia de Cinema de Pequim.
REALIDADE
O diretor diz não ver contradição entre o desejo de retratar a realidade e o estilo de seus filmes, que misturam o documental e a ficção.
"24 City" (2008), que fala sobre as gerações de pessoas que trabalharam numa fábrica estatal, mescla depoimentos de personagens reais e de atores, numa estratégia que lembra a usada em "Jogo de Cena" (2007), do documentarista brasileiro Eduardo Coutinho (1993-2014).
"Há diferentes maneiras de expressar os sentimentos humanos. A imaginação, as histórias fictícias, podem revelar a essência da pessoa", diz.
Para Zhangke, seu filme mais recente, "Um Toque de Pecado" (2013), vencedor do prêmio de melhor roteiro no em Cannes, em 2013, foi censurado pelo governo chinês exatamente por representar uma "realidade inegável", apesar de ser uma ficção.
O filme é baseado em histórias reais sobre as quais o diretor leu na rede social Sina Weibo, uma espécie de Twitter chinês.
Seus personagens são levados a cometer atos de violência por causa das duras circunstâncias da vida.
Zhankge refuta a ideia de que seus filmes sejam políticos, apesar de retratarem uma China excludente.
"Meus filmes são muito subjetivos. Eu narro a China através dos personagens. Meu objetivo é expressar o que sentimos e o que vivemos."

"A era dos filmes amadores está para voltar. É minha impressão mais vivaz. (...) eu insisto nesse ponto. (...) Decerto, eu coloco assim em questão aqueles que chamamos de profissionais do cinema'. Esses profissionais, que enxergam os princípios da profissão como regras absolutas e fazem brilhar ardentemente seus potenciais de mercado, perderam há muito tempo a capacidade de pensar."

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Dez produtoras concentram 34% das verbas para filmes nacionais

Pesquisa da Folha aponta que 2% das empresas são as mais favorecidas por recursos públicos

Para a Agência Nacional do Cinema, números refletem capacidade de realização e de atração de investidores
DE SÃO PAULO *
Dez produtoras brasileiras concentram 34% do financiamento público de filmes nacionais. O número representa 2% das mais de 400 produtoras que captaram recursos no Brasil na série histórica entre 1995 a 2012.
Os dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema), disponíveis no seu portal e tabelados pela Folha, também mostram uma concentração na arrecadação dos filmes.
Dez produtoras são responsáveis por 61% da renda arrecadada pelo cinema nacional e, dessas, seis também estão entre as que mais recebem fundos públicos.
Aspectos dos mecanismos de financiamento ajudam a entender esse fenômeno. Um deles é a classificação de produtoras feita pela Ancine. A agência permite às que fizeram mais filmes captar mais, mas o teto de recursos que elas podem usar ao mesmo tempo é de R$ 36 milhões.
Outra questão central é o fato de o principal método de financiamento utilizado pela Ancine ser o fomento indireto, via leis de incentivo: o governo permite a empresas privadas deduzir uma parcela de seu imposto de renda para ser investida em obras cinematográficas.
Nesses casos, a escolha dos projetos financiados é feita pelas empresas cujos recursos serão investidos. Em geral, grandes corporações não têm interesse em fomentar pequenas produções, preferindo se vincular a obras que lhes deem visibilidade.
Fábio Cesnik, advogado especializado em mídia e entretenimento, diz que "as empresas preferem investir em projetos que oferecem menos riscos para suas marcas". Ele conta que filmes com pouco apelo comercial buscam recursos em outras fontes.
Segundo Cesnik, cineastas podem financiar seus filmes, por exemplo, inscrevendo-os em editais públicos e captando pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), braço da Ancine alimentado por impostos da indústria audiovisual.
A Ancine respondeu, por meio de sua assessoria, que a posição no ranking é resultado da capacidade de realização das produtoras e das parcerias para atrair investidores.
A agência diz que "a série de 1995-2012 não reflete o atual momento do mercado audiovisual brasileiro, em que há um número maior de produtoras e oferta mais ampla de mecanismos de incentivo".

EM OUTROS PAÍSES

França
O investimento em 2009 foi equivalente a 15 vezes o brasileiro. O financiamento é feito via impostos sobre ingressos, canais de televisão e DVDs, e vai direto para o Centro Nacional de Cinematografia, que reinveste no setor audiovisual

Argentina
Há menos participação de empresas no processo de escolha. Parte do valor dos ingressos e DVDs vai para o Instituto Nacional de Cinema. Este prepara editais, que são a maior fonte de financiamento de filmes, em vez de leis de incentivo


Burocracia dificulta captação para filmes de independentes

Produtora de pequeno porte se diz prejudicada por não ter estrutura para gerir os pedidos de financiamentos
Conspiração Filmes, líder em renda no setor, mantém departamento especializado para levantar recursos
DE SÃO PAULO
Com base em dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema), a Folha apurou que 34% dos recursos públicos destinados a filmes nacionais ficam nas mãos de dez produtoras --2% do total de empresas do setor no país.
A concentração, para Cavi Borges, dono da produtora independente Cavídeo, deve-se em grande parte à burocracia para conseguir obter financiamento.
Na avaliação de Borges, produtoras de pequeno porte como a sua não têm estrutura especializada para cuidar dos pedidos e, assim são prejudicadas na competição.
"A gente acaba não tendo fôlego", conta. Como formas alternativas, a Cavídeo usa crowdfunding (financiamento coletivo) e faz parcerias com canais de televisão.
A falta de recursos, para Borges, também dificulta que as produções cheguem ao circuito comercial competitivo.
Em contraste, a Conspiração Filmes --segunda produtora que mais captou recursos de 1995 a 2012 e líder em renda no período-- possui um departamento só para gerir a captação de seus recursos.
Eliana Soárez, diretora-executiva de cinema da empresa, diz que produtoras grandes também precisam captar, já que, segundo ela, a maior parte dos lucros dos seus filmes vão para o exibidor e o distribuidor. Folha, 31.07.2014.



quinta-feira, 10 de abril de 2014

Um sonho intenso: a economia brasileira segundo o cinema científico de José Mariani

'Um sonho intenso' reforça a ideia permanente de Mariani: "Se Glauber dizia que o cinema não exclui a poesia, acrescento: o cinema não exclui a ciência."


Léa Maria Aarão Reis
Divulgação
É notável o feito do cineasta e documentarista José Mariani, que depois de produzir duas festejadas cinebiografias – sobre os cientistas Cesar Lattes e José Leite Lopes, e O longo amanhecer no qual conta a trajetória de Celso Furtado – agora se lança na tarefa de, no cinema, destrinchar para o público leigo os meandros de um tema complexo considerado assunto de especialistas e destinado a iniciados: a vida econômica do Brasil.
 
Filmado em 2012, editado ano passado e concluído há dois meses, portanto de atualidade incontestável, Um sonho intenso, com duração de uma hora e 42 minutos, é atraente e prende a atenção do espectador todo o tempo. Mais que uma sucessão das entrevistas de estrelas das ciências econômicas, de historiadores e sociólogos - Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa, Adalberto Cardoso, Celso Amorim, Francisco de Oliveira, João Manuel Cardoso de Melo, Luiz Gonzaga Beluzzo, Lena Lavinas, José Murilo de Carvalho e Ricardo Bielchowsky – este, também consultor de roteiro, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalha para a Comissão Econômica para a América do Sul e Caribe, a Cepal –, a garimpagem das imagens é exemplar e contribui para a historiografia do período socioeconômico brasileiro de 1930, da era Vargas aos dias de hoje.
 

 
Com Um sonho intenso Mariani reforça esta sua ideia permanente: "Se Glauber Rocha dizia que o cinema não exclui a poesia, eu acrescento: o cinema não exclui a ciência."
 
De algum modo, este documentário de agora retoma, por outro viés O longo amanhecer, sobre a vida e o trabalho de Furtado. O foco é a política de estado desenvolvimentista exercida com tropeços, desde Getúlio Vargas (com as infelizes interrupções conhecidas - ditadura, liberalismo, política neoliberal) e sistematizada pelo economista paraibano.
 
"Num país em que a concentração de renda ainda é grande, a taxa de juros incompreensivelmente alta e o desenvolvimento econômico atravancado, as teorias e pensamentos de Celso Furtado são mais do que atuais," acredita o diretor José Mariani. 
 
"O filme é um desdobramento do primeiro. Desta vez o protagonista é o processo,  uma visão de história que inclui a história social, cultural e econômica; uma forma de ver a economia de modo orgânico."
 
As observações e as análises dos personagens que formam o elenco estelar do doc são apresentadas em linguagem direta, simples e natural chegando ao entendimento imediato do leigo. São testemunhos que prescindem de notas estatísticas (cada vez mais manipuladas por jornalistas especialistas, na TV), o que é um alívio, e não falam o idioma do economêscujo objetivo é desinformar e manter a sociedade analfabeta sobre o assunto.
 
No início, Carlos Lessa indaga: "O que é o Brasil, o que é ser brasileiro? O que o Brasil tem de paradigmas para mostrar para o resto do mundo?"
 
Em seguida, Maria da Conceição Tavares: "Podemos nos surpreender por uma visão menos preconceituosa - e mais moderna - do primeiro período da era Vargas, bem como por uma visão contemporânea do desenvolvimentismo do período JK, um período alegre, estimulante, com a bossa nova, a construção de Brasília, a marcha para o oeste."
 
Seguem-se análises sobre o governo do presidente João Goulart, em seguida sobre os anos da ditadura civil-militar e considerações a respeito dos seus atores, tanto militares como civis; as estatizações e os planos nacionais de desenvolvimento, que, segundo Carlos Lessa, "eram uma versão hiper autoritária da proposta de desenvolvimento industrial do passado".
 
De qualquer modo, a opinião geral é a de que se manteve sempre, nesse passado, os dois Brasis: o do sul-sudeste e o do norte e nordeste.
 
Maria da Conceição Tavares ressalta: "Não aconteceu nada com a miséria real. O país reproduzia o subdesenvolvimento à medida que o país se desenvolvia, pois este desenvolvimento era voltado apenas para as classes médias".
 
Na sequência, Um sonho intenso percorre o período das Diretas Já, a tragédia da inesperada morte de Tancredo Neves, o governo Sarney e seus sucessivos planos bolhas de sabão, a inflação galopante, o desastre Collor e os poucos pontos positivos do governo Itamar – o real, entre eles, diga-se, aceito com hesitação pelo então presidente.
 
As privatizações de Fernando Henrique Cardoso, "fruto de um vagalhão neoliberal, que não serviram para nada," observa João Manuel Cardoso de Melo. Para Carlos Lessa: (As privatizações) "acabaram com o projeto de soberania nacional".
 
Por fim, as análises dos dois consistentes mandatos de Lula os quais, segundo Carlos Lessa, "teve a felicidade de puxar os de baixo para cima e integrar estas pessoas ao mercado de consumo e ao mercado de crédito."
 
Concluindo o filme e fechando o ciclo, o mesmo Lessa lembra, sincero e com simplicidade: "Nós vivemos a armadilha do pensamento econômico" (...) "é razoável explicar o presente, mas é extremamente difícil pensar o futuro."
 
Para estes personagens do filme de Mariani não cabem mais na cena nem os oráculos nem os abutres da economia do país.


Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cultura/Um-sonho-intenso-a-economia-brasileira-segundo-o-cinema-cientifico-de-Jose-Mariani/39/30697

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Morte de Shirley Temple: Na Grande Depressão, produções eram Prozac em forma de celuloide

ANDRÉ BARCINSKI - ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando Shirley Temple surgiu nas telas de cinema, no início dos anos 1930, os Estados Unidos passavam pela Grande Depressão.
O desemprego subira de 3% em 1929 para 25% em 1933; cerca de 60% da população era considerada pobre pelas estatísticas oficiais, e havia mais de 2 milhões de pessoas sem teto.
Nesse cenário caótico, o aparecimento de uma menininha bonita, simpática e carismática, com seus cachinhos louros e uma resposta engraçada sempre na ponta da língua, foi um alívio para o país e para Hollywood. Filmes sonoros eram novidade --o primeiro longa-metragem falado foi "O Cantor de Jazz", em 1927-- e uma das primeiras vozes que o público ouviu foi a de Shirley Temple. Todo mundo se apaixonou por ela.
Em poucos anos, ela dominou a indústria do cinema. Foi a maior atração de bilheteria de Hollywood entre 1935 e 1938. Darryl Zanuck, chefão da Twentieth Century Fox, montou uma equipe de 19 roteiristas só para escrever filmes para ela.
O mercado foi inundado por bonecas, livros e merendeiras com a cara de Temple. Seus filmes eram, na maioria, comédias chorosas em que ela dava um jeito de resolver uma situação que parecia fadada à tristeza. Eram Prozac em forma de celuloide.
O sucesso durou oito anos e 30 filmes. No início dos anos 40, Temple já havia passado de seu auge. Não era mais uma criança --pelo menos não a criança pela qual todo mundo se apaixonara.
A atriz ainda tentou reinventar a carreira, mas sua imagem, gravada no inconsciente coletivo, era forte demais para ser desafiada.
E um casamento infeliz de cinco anos com o ator John Agar (1921-2002) --que ficaria conhecido por filmes B vagabundos, como "O Cérebro do Planeta Arous" (1957)-- terminou em 1950, junto com a carreira de Shirley Temple no cinema. Aos 22 anos, ela já tinha vivido o suficiente para preencher muitas vidas.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Oscar 2014: Melhor de 3 'Trapaça', correndo por fora, fica emparelhado com 'Gravidade' e '12 Anos de Escravidão' numa disputa acirrada pelo Oscar

Melhor de 3
'Trapaça', correndo por fora, fica emparelhado com 'Gravidade' e '12 Anos de Escravidão' numa disputa acirrada pelo Oscar
RODRIGO SALEMCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES
A briga esperada entre "Gravidade" e "12 Anos de Escravidão" pelo Oscar 2014 se confirmou com o anúncio dos indicados ao prêmio, na manhã de ontem, em Hollywood. Mas "Trapaça", também virou um concorrente sério à estatueta.
O longa de David O. Russell foi indicado em dez categorias, mesmo número de "Gravidade", de Alfonso Cuarón. "12 Anos de Escravidão", de Steve McQueen, teve nove indicações.
Os três disputarão com mais seis produções: "Capitão Phillips", de Paul Greengrass; "Ela", de Spike Jonze; "Nebraska", de Alexander Payne; "O Lobo de Wall Street", de Martin Scorsese; "Clube de Compras Dallas", de Jean-Marc Vallée; e "Philomena", de Stephen Frears. Os dois últimos foram as surpresas da lista.
Tom Hanks, considerado um forte concorrente como melhor ator por "Capitão Phillips", foi esquecido, enquanto o colega Barkhad Abdi papou uma indicação em ator coadjuvante --Robert Redford, outro veterano, também ficou de fora por "Até o Fim", de J.C. Chandor.
O documentário "Blackfish", sobre os maus tratos às baleias orcas no Sea World, não entrou na lista, que tem como favorito "O Ato de Matar", de Joshua Oppenheimer, sobre a reencenação de atos de extermínio na Indonésia.
"The Square", sobre a Primavera Árabe, rendeu ao Netflix a primeira menção no Oscar. Já Jennifer Lawrence, 23, se ganhar como atriz coadjuvante por "Trapaça", se tornará a atriz mais jovem a ganhar dois Oscar --ano passado, ela levou o de atriz principal por "O Lado Bom da Vida".
A comédia "Jackass Apresenta: Vovô Sem Vergonha" tem uma indicação (maquiagem), o mesmo número que recebeu o classudo "Walt nos Bastidores de Mary Poppins" (trilha sonora), com Emma Thompson --que acabou não indicada para melhor atriz. A categoria ficou livre para Cate Blanchett levar a indicação por "Blue Jasmine", de Woody Allen. A produção também concorre aos prêmios de atriz coadjuvante (Sally Hawkins) e roteiro original.
O anúncio serviu para algumas ressurreições. Martin Scorsese, que há dois meses se defende nos Estados Unidos por causa das cenas de nudez e referências a drogas de "O Lobo de Wall Street", foi indicado para melhor diretor, roteiro e filme --Leonardo DiCaprio e Jonah Hill entraram nas listas de ator e ator coadjuvante, respectivamente, pela produção.
Já "Nebraska", de Alexander Payne, veio por fora e, além de melhor filme, direção e fotografia, também rendeu indicações a Bruce Dern (ator) e June Squibb (atriz coadjuvante), dois veteranos esquecidos pela indústria.
Entre os filmes estrangeiros, "A Grande Beleza", de Paolo Sorrentino, deve levar o Oscar para a Itália, mesmo enfrentando o dinamarquês "A Caça" e "Omar", a segunda indicação de uma produção palestina na história.
ANÁLISE
Distinção entre três favoritos mina teorias sobre tendências de Hollywood
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON
As indicações ao Oscar são acompanhadas pela indústria do cinema como uma milionária corrida de cavalos.
Quem faz a melhor corrida pode conquistar uma bilheteria maior nos mercados internacionais onde os filmes ainda não estrearam. Além disso, cacifa diretores, atores e demais envolvidos a maiores cachês e poder em seus próximos projetos.
A corrida deste ano está embolada. Três filmes muito diferentes são os favoritos, o que impede que os críticos e especialistas inventem uma grande teoria sobre as tendências em Hollywood.
Com dez indicações, "Gravidade", que custou US$ 100 milhões e já arrecadou US$ 670 milhões em todo o mundo, é o único supersucesso entre os nove longas indicados a melhor filme. Mas as bolsas de apostas dizem que só vai levar prêmios técnicos e o de melhor diretor --para o mexicano Alfonso Cuarón-- e não o de melhor filme.
O prêmio deve ficar entre "Trapaça" (dez indicações) e "12 Anos de Escravidão" (nove). Este último é o menor entre os três (custou US$ 20 milhões, menos do que o vampiro Robert Pattinson ganha por filme da série "Crepúsculo") e arrecadou apenas US$ 40 milhões. Há dúvidas se fará boa carreira internacional O fato de o distribuidor italiano ter colocado no cartaz uma foto de Brad Pitt, que faz apenas uma pequena ponta no filme, diz muito.
Mas Hollywood vai assumir que filme realista de escravidão ainda é tabu e vai deixá-lo de lado, mesmo sendo considerado o melhor dos três?
"Trapaça", de David O. Russell, o mesmo diretor de "O Lado Bom da Vida", que custou US$ 40 milhões (e já arrecadou US$ 103 milhões só nos EUA), é o grande rival.
Sem o sofrimento (ou a importância) de "12 Anos", é uma diversão sexy e esperta com toques de Scorsese. Ou seja, grande entretenimento, que Hollywood deve há anos.
E premiar a ótima e sapeca Jennifer Lawrence, que está nesse filme, é garantia de rara espontaneidade na cerimônia (apesar da queniana Lupita Nyong'o, de "12 Anos", e da veterana June Squibb, 84, de "Nebraska", merecerem mais levar o Oscar).
Outros filmes muito bons se contentarão com prêmios técnicos ou com o reconhecimento ao elenco, como "Clube de Compras de Dallas", "Philomena", "Ela" e "Blue Jasmine". Em um ano especial, há muitos puro-sangue.
Fonte: Folha, 17.01.2014.